Reflexão sobre Ventilação Não Invasiva
O módulo Cuidados ao
Cliente com Falência Multiorgânica foi lecionado por um Médico Intensivista
de um Hospital de Lisboa. Foram apresentados em aula alguns apontamentos
históricos de medicina intensiva e as principais situações de falência
multiorgânica, que são: respiratória, renal e do suporte circulatório. Geraram-se
debates muito interessantes e completos, do ponto de vista do paradigma
biomédico. Contudo, no concerne aos cuidados de enfermagem e, contrariamente ao
que foi estipulado na ficha para a unidade curricular de médico-cirúrgica I, em
que o ponto 2 do programa do módulo refere que seriam abordados “Focos da prática de enfermagem dirigidos
para os clientes/ família em falência multiorgânica” (http://moodle.ess.ips.pt/mod/folder/view.php?id=9336
), o que não aconteceu. Pelo que, consideramos que este módulo ficou aquém das
expetativas, pura e simplesmente porque faltou um Enfermeiro para ministrar
estas temáticas. A falta que faz um Enfermeiro!...
Assim, como forma de colmatar necessidades de aportes
teóricos relacionados com os focos de intervenção de enfermagem em cuidados
intensivos, decidimos escolher um tema que fosse desconhecido do ponto de vista
da prática diária (no nosso caso particular), e explorá-lo.
Tema escolhido: Ventilação Não-Invasiva
A escolha deste tema deve-se não só ao conhecimento insuficiente
que temos com a sua prática clínica, mas também à visualização de uma imagem
(que apresentamos abaixo) durante a exposição do módulo em estudo.
Imagem II.3 – 1. Retirado a
15.03.2013 de: http://www.executivehm.com/news/the-worst-us-epidemics-in-modern-history/
Esta imagem exibe uma unidade de cuidados
intensivos repleta de ventiladores por pressão negativa, todos ocupados por
pessoas contaminadas com o surto da poliomielite. Olhar esta imagem provocou-nos
sentimentos antagónicos: maravilha e horror.
Por um lado, ficamos maravilhados com
tamanha descoberta numa época com tão poucos recursos. Segundo (Phipps, Sands, & Marek, 2003), a
poliomielite é uma infeção viral muito contagiosa, que pode ser contraída pela
ingestão de substâncias contaminadas por fezes infetadas com o poliovírus (enterovírus), e que se dissemina no organismo, atingindo rápida e
gravemente o cérebro e a espinal-medula. Pode provocar fraqueza muscular
permanente, paralisia e outros sintomas e, por vezes, a morte. Com a
disseminação do surto da gripe, na década de 1940, tornou-se urgente encontrar
uma forma de contrapor a progressiva debilidade muscular, que provocava não só deficits a nível motor como também, e
principalmente, respiratórios. A VNI por pressão negativa foi a solução. A técnica consistia em criar uma
pressão subatmosférica em redor do toráx e do abdómen da pessoa, que era
mantida em câmara fechada para aumentar a pressão transpulmonar, fazendo com
que a pressão atmosférica ao nível da boca insuflasse os pulmões (inspiração).
A expiração ocorria de forma passiva, através do recolhimento elastico dos
pulmões e do retorno da pressão em redor da caixa toráxica para níveis
atmosféricos. Quanto maior a área corporal abrangida pelo aparelho, mais eficaz
seria a técnica, daí o uso de câmaras em que só a cabeça ficava de fora.
Salvaram-se muitas vidas graças a esta técnica tão revolucionária para a época.
Por outro lado, esta imagem transmite-nos
horror. Ver uma série de pessoas conscientes e orientadas fechadas dentro de
cilindros de aço para conseguirem tão somente respirar, pelo resto das suas
vidas, é medonho! A independência nas atividades de vida (AV’s) destas pessoas
já estava condicionada pela infeção. Adicionando a este quadro, uma técnica não
invasiva, mas que na verdade invadia completamente o espaço entre a pessoa
doente e o prestador de cuidados, percebemos o quão difícil deve ter sido
prestar cuidados de enfermagem a estas pessoas. Para além do desconforto físico
e das complicações associadas à VNI por pressão negativa (entre outras, a tosse
ineficaz, que promovia a acumulação de secreções na orofaringe devido à posição
obrigatória para esta técnica, decúbito dorsal), não podemos deixar de refletir
sobre o desconforto psicológico e emocional a que estas pessoas estavam
sujeitas. Na imagem, conseguimos visualizar várias câmaras justapostas. As
pessoas conseguem olhar-se entre si, pelo «canto do olho». Mas permanecem
inertes. O seu campo de visão mais generoso é o teto.
Após pesquisa, encontramos algumas imagens
de câmaras de VNI por pressão negativa em que eram colocados espelhos à frente
da pessoa para que pudesse ter uma visão mais alargada do que se passava à sua
volta, bem como objetos distratores (livros, fotografias e outros). Encontramos
também imagens em que a família posa junto da pessoa com poliomielite, para a
fotografia.
Para perceber melhor como era colocada a
pessoa na câmara de VNI por pressão negativa e como eram prestados os cuidados
de enfermagem à pessoa que ali estava encerrada, realizamos algumas pesquisas
das quais resultaram:
▪ Testemunho real de uma pessoa contaminada com o vírus da
poliomielite:
http://www.youtube.com/watch?v=4dt6jeR58Yk
▪ Descrição dos cuidados de enfermagem à pessoa perante a VNI
por pressão negativa:
http://www.youtube.com/watch?v=kVhtV6_Rdog
▪ Como funciona a câmara de VNI por pressão negativa – parte
1:
http://www.youtube.com/watch?v=jywAB0Wio-Y
▪ Como funciona a câmara de VNI por pressão negativa – parte
2:
http://www.youtube.com/watch?v=YxTOIZHuDvM
Este tema suscitou-nos curiosidades, pelo que procurámos saber
quando e como começou…
De acordo com os conteúdos apresentados em aula do presente
módulo, Stephen Hales (1743) estudou o papel da água e do ar na manutenção das
plantas e da vida animal, descobriu os perigos de respirar ar saturado e
inventou um ventilador que melhorasse as taxas de sobrevivência em locais de
trabalhos fechados (navios, hospitais e prisões). Contudo, o primeiro
ventilador mecânico foi inventado apenas em 1908, por George Poe. As suas
primeiras experiências foram com cães, ratos e coelhos. Experiências pioneiras
que viriam a revolucionar a ciência biomédica. Tal como diria Neil Armstrong
quando pisou a lua, “that’s one small
step for men, a giant leap for mankind”. Contudo, do ponto de vista
bioético, se tais experiências fossem planeadas nos dias de hoje, teriam uma
série de opositores. Desde alegar princípios éticos que defendem a utilização
de animais em experiências, passando por movimentos defensores dos direitos dos
animais, muito seria feito no sentido de bloquear estes ensaios clínicos. Tal
como consta no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais,
proclamada pela United Nations Educational,
Scientific and Cultural Organization (UNESCO) em: http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf
De acordo com Susana Ferreira et al (2009) no artigo de revisão
disponivel em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/pne/v15n4/v15n4a06.pdf
, o surto de poliomielite (1930 – 1950) despoletou a aplicação da VNI. A base
da técnica era a utilização da ventilação por pressão negativa, que resumia-se
à “aplicação de pressão subatmosférica
externa ao toráx simulando a inspiração, ocorrendo a expiração de forma
passiva” (p.656).
Segundo a DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE (2002), a
história mundial da poliomielite mudou, em 1955, com a descoberta da vacina
pelo Dr. Salk. Eram necessários três tipos de vírus mortos e a sua eficácia
ainda não era a desejada. Em 1957, Dr. Albert Sabin criou a vacina oral contra
a poliomielite. Esta é mais barata e de maior eficácia, mas ainda assim acarreta
o risco de contrair a infeção na proporção 1: 1 milhão, pois a vacina é
constituída pelo vírus inativo da poliomielite. Em Portugal, a vacina da
poliomielite marcou o inicio do Plano Nacional de Vacinação (PNV), em 1965.
Felizmente (do ponto de vista do autor desta
reflexão), a VNI por pressão positiva começou a ser desenvolvida nas décadas de
40 e 50. Contudo, só em 1980 ocupou lugar de destaque com a introdução do continuous positive airway pressure (CPAP),
com indicação de utilização no sindrome de apneia obstrutiva do sono, com bons
resultados.
Segundo Phipps (2003),
a ventilação não-invasiva por pressão positiva consiste na aplicação de suporte
ventilatório na via aérea sem recorrer a métodos invasivos. Esta prática inclui
uma série de técnicas dirigidas ao aumento alveolar, sem a necessidade de
recorrer a técnicas invasivas como a entubação orotraqueal ou traqueostomia.
Consegue-se, assim, corrigir muitas complicações respiratórias agudas em doença
pulmonar crónica obstrutiva (DPOC), entre outras.
Para dar então resposta ao ponto de partida da nossa
pesquisa, pesquisamos uma panóplia de livros e revistas que debatem sobre a VNI
por pressão positiva, técnica atual que nos é ensinada no curso de licenciatura
em enfermagem.
Tendo em conta que a disciplina de enfermagem compreende, sem
sombra para dúvida, as valências humana e científica, consideramos pertinente
ter conhecimentos sólidos nesta última para melhor fundamentar as intervenções
de enfermagem à pessoa e sua família. Assim, salientamos alguns tópicos de
relevo e inerentes à prestação de cuidados de qualidade de enfermagem, os quais
aprofundamos o seu conhecimento com base em pesquisa bibliográfica (disponível
nas Referências Bibliográficas) e na prática baseada na evidência durante os
Estágios I e II. Os tópicos:
ü Conhecer como funciona a VNI
ü Características específicas dos aparelhos de VNI
ü Modalidades ventilatórias da VNI
ü Tipos de máscaras de VNI
ü Indicações para a utilização de VNI
ü Vantagens da utilização da VNI
ü Desvantagens da utilização da VNI
ü Contraindicações da utilização da VNI
ü Principais complicações
Após estudo, análise e prática na área, consideramos adquiridas as
competências inerentes à prestação de cuidados de enfermagem à pessoa com
necessidade de VNI por pressão positiva. Concluímos também que a evolução na
ciência baseia-se em experiências que nem sempre são felizes, ou confortáveis,
mas que trazem resultados e, sobretudo, ajudam os especialistas a descobrir
novas técnicas para combater as doenças e infeções.
Referências Bibliográficas e Eletrónicas
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