terça-feira, 2 de abril de 2013

II.3 Cuidados ao Cliente com Falência Multiorgânica


Reflexão sobre Ventilação Não Invasiva

 
O módulo Cuidados ao Cliente com Falência Multiorgânica foi lecionado por um Médico Intensivista de um Hospital de Lisboa. Foram apresentados em aula alguns apontamentos históricos de medicina intensiva e as principais situações de falência multiorgânica, que são: respiratória, renal e do suporte circulatório. Geraram-se debates muito interessantes e completos, do ponto de vista do paradigma biomédico. Contudo, no concerne aos cuidados de enfermagem e, contrariamente ao que foi estipulado na ficha para a unidade curricular de médico-cirúrgica I, em que o ponto 2 do programa do módulo refere que seriam abordados “Focos da prática de enfermagem dirigidos para os clientes/ família em falência multiorgânica” (http://moodle.ess.ips.pt/mod/folder/view.php?id=9336 ), o que não aconteceu. Pelo que, consideramos que este módulo ficou aquém das expetativas, pura e simplesmente porque faltou um Enfermeiro para ministrar estas temáticas. A falta que faz um Enfermeiro!...

Assim, como forma de colmatar necessidades de aportes teóricos relacionados com os focos de intervenção de enfermagem em cuidados intensivos, decidimos escolher um tema que fosse desconhecido do ponto de vista da prática diária (no nosso caso particular), e explorá-lo.

Tema escolhido: Ventilação Não-Invasiva

A escolha deste tema deve-se não só ao conhecimento insuficiente que temos com a sua prática clínica, mas também à visualização de uma imagem (que apresentamos abaixo) durante a exposição do módulo em estudo.



Esta imagem exibe uma unidade de cuidados intensivos repleta de ventiladores por pressão negativa, todos ocupados por pessoas contaminadas com o surto da poliomielite. Olhar esta imagem provocou-nos sentimentos antagónicos: maravilha e horror.

Por um lado, ficamos maravilhados com tamanha descoberta numa época com tão poucos recursos. Segundo  (Phipps, Sands, & Marek, 2003), a poliomielite é uma infeção viral muito contagiosa, que pode ser contraída pela ingestão de substâncias contaminadas por fezes infetadas com o poliovírus (enterovírus), e que se dissemina no organismo, atingindo rápida e gravemente o cérebro e a espinal-medula. Pode provocar fraqueza muscular permanente, paralisia e outros sintomas e, por vezes, a morte. Com a disseminação do surto da gripe, na década de 1940, tornou-se urgente encontrar uma forma de contrapor a progressiva debilidade muscular, que provocava não só deficits a nível motor como também, e principalmente, respiratórios. A VNI por pressão negativa foi a  solução. A técnica consistia em criar uma pressão subatmosférica em redor do toráx e do abdómen da pessoa, que era mantida em câmara fechada para aumentar a pressão transpulmonar, fazendo com que a pressão atmosférica ao nível da boca insuflasse os pulmões (inspiração). A expiração ocorria de forma passiva, através do recolhimento elastico dos pulmões e do retorno da pressão em redor da caixa toráxica para níveis atmosféricos. Quanto maior a área corporal abrangida pelo aparelho, mais eficaz seria a técnica, daí o uso de câmaras em que só a cabeça ficava de fora. Salvaram-se muitas vidas graças a esta técnica tão revolucionária para a época.

Por outro lado, esta imagem transmite-nos horror. Ver uma série de pessoas conscientes e orientadas fechadas dentro de cilindros de aço para conseguirem tão somente respirar, pelo resto das suas vidas, é medonho! A independência nas atividades de vida (AV’s) destas pessoas já estava condicionada pela infeção. Adicionando a este quadro, uma técnica não invasiva, mas que na verdade invadia completamente o espaço entre a pessoa doente e o prestador de cuidados, percebemos o quão difícil deve ter sido prestar cuidados de enfermagem a estas pessoas. Para além do desconforto físico e das complicações associadas à VNI por pressão negativa (entre outras, a tosse ineficaz, que promovia a acumulação de secreções na orofaringe devido à posição obrigatória para esta técnica, decúbito dorsal), não podemos deixar de refletir sobre o desconforto psicológico e emocional a que estas pessoas estavam sujeitas. Na imagem, conseguimos visualizar várias câmaras justapostas. As pessoas conseguem olhar-se entre si, pelo «canto do olho». Mas permanecem inertes. O seu campo de visão mais generoso é o teto.

Após pesquisa, encontramos algumas imagens de câmaras de VNI por pressão negativa em que eram colocados espelhos à frente da pessoa para que pudesse ter uma visão mais alargada do que se passava à sua volta, bem como objetos distratores (livros, fotografias e outros). Encontramos também imagens em que a família posa junto da pessoa com poliomielite, para a fotografia.

Para perceber melhor como era colocada a pessoa na câmara de VNI por pressão negativa e como eram prestados os cuidados de enfermagem à pessoa que ali estava encerrada, realizamos algumas pesquisas das quais resultaram:

Testemunho real de uma pessoa contaminada com o vírus da poliomielite:
http://www.youtube.com/watch?v=4dt6jeR58Yk

Descrição dos cuidados de enfermagem à pessoa perante a VNI por pressão negativa:
http://www.youtube.com/watch?v=kVhtV6_Rdog

Como funciona a câmara de VNI por pressão negativa – parte 1:
http://www.youtube.com/watch?v=jywAB0Wio-Y

Como funciona a câmara de VNI por pressão negativa – parte 2:
http://www.youtube.com/watch?v=YxTOIZHuDvM

 
Este tema suscitou-nos curiosidades, pelo que procurámos saber quando e como começou…

De acordo com os conteúdos apresentados em aula do presente módulo, Stephen Hales (1743) estudou o papel da água e do ar na manutenção das plantas e da vida animal, descobriu os perigos de respirar ar saturado e inventou um ventilador que melhorasse as taxas de sobrevivência em locais de trabalhos fechados (navios, hospitais e prisões). Contudo, o primeiro ventilador mecânico foi inventado apenas em 1908, por George Poe. As suas primeiras experiências foram com cães, ratos e coelhos. Experiências pioneiras que viriam a revolucionar a ciência biomédica. Tal como diria Neil Armstrong quando pisou a lua, “that’s one small step for men, a giant leap for mankind”. Contudo, do ponto de vista bioético, se tais experiências fossem planeadas nos dias de hoje, teriam uma série de opositores. Desde alegar princípios éticos que defendem a utilização de animais em experiências, passando por movimentos defensores dos direitos dos animais, muito seria feito no sentido de bloquear estes ensaios clínicos. Tal como consta no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) em: http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf

De acordo com Susana Ferreira et al (2009) no artigo de revisão disponivel em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/pne/v15n4/v15n4a06.pdf , o surto de poliomielite (1930 – 1950) despoletou a aplicação da VNI. A base da técnica era a utilização da ventilação por pressão negativa, que resumia-se à “aplicação de pressão subatmosférica externa ao toráx simulando a inspiração, ocorrendo a expiração de forma passiva”  (p.656).

Segundo a DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE (2002), a história mundial da poliomielite mudou, em 1955, com a descoberta da vacina pelo Dr. Salk. Eram necessários três tipos de vírus mortos e a sua eficácia ainda não era a desejada. Em 1957, Dr. Albert Sabin criou a vacina oral contra a poliomielite. Esta é mais barata e de maior eficácia, mas ainda assim acarreta o risco de contrair a infeção na proporção 1: 1 milhão, pois a vacina é constituída pelo vírus inativo da poliomielite. Em Portugal, a vacina da poliomielite marcou o inicio do Plano Nacional de Vacinação (PNV), em 1965.   

Felizmente (do ponto de vista do autor desta reflexão), a VNI por pressão positiva começou a ser desenvolvida nas décadas de 40 e 50. Contudo, só em 1980 ocupou lugar de destaque com a introdução do continuous positive airway pressure (CPAP), com indicação de utilização no sindrome de apneia obstrutiva do sono, com bons resultados.

Segundo Phipps (2003), a ventilação não-invasiva por pressão positiva consiste na aplicação de suporte ventilatório na via aérea sem recorrer a métodos invasivos. Esta prática inclui uma série de técnicas dirigidas ao aumento alveolar, sem a necessidade de recorrer a técnicas invasivas como a entubação orotraqueal ou traqueostomia. Consegue-se, assim, corrigir muitas complicações respiratórias agudas em doença pulmonar crónica obstrutiva (DPOC), entre outras.


Para dar então resposta ao ponto de partida da nossa pesquisa, pesquisamos uma panóplia de livros e revistas que debatem sobre a VNI por pressão positiva, técnica atual que nos é ensinada no curso de licenciatura em enfermagem.

Tendo em conta que a disciplina de enfermagem compreende, sem sombra para dúvida, as valências humana e científica, consideramos pertinente ter conhecimentos sólidos nesta última para melhor fundamentar as intervenções de enfermagem à pessoa e sua família. Assim, salientamos alguns tópicos de relevo e inerentes à prestação de cuidados de qualidade de enfermagem, os quais aprofundamos o seu conhecimento com base em pesquisa bibliográfica (disponível nas Referências Bibliográficas) e na prática baseada na evidência durante os Estágios I e II. Os tópicos:

ü Conhecer como funciona a VNI

ü Características específicas dos aparelhos de VNI

ü Modalidades ventilatórias da VNI

ü Tipos de máscaras de VNI

ü Indicações para a utilização de VNI

ü Vantagens da utilização da VNI

ü Desvantagens da utilização da VNI

ü Contraindicações da utilização da VNI

ü Principais complicações


Após estudo, análise e prática na área, consideramos adquiridas as competências inerentes à prestação de cuidados de enfermagem à pessoa com necessidade de VNI por pressão positiva. Concluímos também que a evolução na ciência baseia-se em experiências que nem sempre são felizes, ou confortáveis, mas que trazem resultados e, sobretudo, ajudam os especialistas a descobrir novas técnicas para combater as doenças e infeções.


Referências Bibliográficas e Eletrónicas


BLACK, J. M., & MATASSARIN-JACOBS, E. - Enfermagem Médico-Cirúrgica - Uma Abordagem Psicofisiológica - Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1993, 4ª edição, vol. 2.

BOLANDER, V. B. - Enfermagem Fundamental - Lisboa: Editora Lusodidacta, 1998.

DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE - A Vacinação e a sua História. Cadernos da Direção Geral de Saúde, n.º2. Lisboa: Direção Geral de Saúde, outubro de 2002.
FERREIRA, S., NOGUEIRA, C., CONDE, S., & TAVEIRA, N. - Ventilação não-invasiva - artigo de revisão - Revista Portuguesa de Pneumologia, n.º 4, Vol. XV, julho/ agosto de 2009, pp. 655-665.

JUNIOR, C. T., & CARVALHO, C. R. - III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica - Ventiladores Mecânicos - J Bras Pneumol, n.º 33, supl 2, 2007, pp. S 71 - S 91.

MAGANO, C., REIS, M. J., GUEDES, P., BRITO, R., & MOURISCO, S. - Ventilação não invasiva - Sinais Vitais n.º 72, maio de 2007, pp. 13-19.

MOURISCO, S. - Complicações da Ventilação mecânica não invasiva - Nursing, outubro de 2006, pp. 49-50.

PHIPPS, W. J., SANDS, J. K., & MAREK, J. F. - Enfermagem Médico-Cirúrgica - Conceitos e Prática Clínica -  Loures: Editora Lusodidacta, 2003. 6ª edição.

PINTO, P., & BÁRBARA, C. - Ventilação Não Invasiva na Insuficiencia Respiratória Crónica. Boletim do HPV, vol XIX, n.º 1, Janeiro/ Março de 2006, pp. 41-43.

THELAN, L. A., DAVIE, J. K., & al, e. ­- Enfermagem em Cuidados Intensivos - Diagnóstico e Intervenção. Lisboa: Editora Lusodidacta, 1993.

WINCK, J. C., & MOITA, J. - Sociedade Portuguesa de Pneumologia. 2000. Obtido de Web site da Sociedade Portuguesa de Pneumologia: http://www.sppneumologia.pt/content/normas-da-spp-normas-e-recomendacoes-para-ventiloterapia-domiciliaria

 

 

    

 

 

 

 



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