II.5 Intervenções de Enfermagem ao Cliente com Dor
O presente documento surge no âmbito do módulo Intervenções de Enfermagem à Pessoa com Dor.
A pintura acima, foi criada por Frida Kahlo em 1946, no seguimento de uma cirurgia à coluna mal sucedida. Frida Kahlo retratou-se a si mesma na figura de um veado ferido com várias flechas simbolizando a dor difusa e concomitante à qual estava sujeita diariamente. O céu azul iluminando o veado ferido poderá ser interpretado como a esperança que a autora mantinha no controlo da sua dorsalgia. Contudo, e apesar de todos os tratamentos que realizou, a dor permaneceu… Mas afinal que dor era esta tão difícil de extinguir?
De acordo com COSTA et al (2005, p.900), “a dor é aquilo que o doente referir como tal, e é esta subjetividade na sua definição que torna o combate à dor muitas vezes difícil”. Segundo a mesma fonte, a definição que prevalece desde 1982 foi construída pela “American Pain Society”, que define a dor “como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano tecidular presente ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”.
De acordo com COSTA et al (2005, p.900), “a dor é aquilo que o doente referir como tal, e é esta subjetividade na sua definição que torna o combate à dor muitas vezes difícil”. Segundo a mesma fonte, a definição que prevalece desde 1982 foi construída pela “American Pain Society”, que define a dor “como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano tecidular presente ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”.
A Dor deve ser encarada com
seriedade pois, tal como enunciado no Guia Orientador de Boa Prática (Ordem dos
Enfermeiros, 2008), “o controlo da dor é
um direito das pessoas e um dever dos profissionais de saúde” (p.9).
Em
2003, a Direção Geral de Saúde (DGS) publicou a Circular Normativa N.º9/DGCG,
que afirmou a Dor como 5º Sinal Vital. Ou seja, para além da Tensão Arterial,
da Frequência Cardíaca, da Temperatura e da Respiração, temos (Enfermeiros) o
dever de avaliar e registar (e atuar, resultados anormais) também na dor (DGS,
2003).
De acordo com o inscrito na mesma Circular Normativa, a dor é um fenómeno que está presente na maioria das situações patológicas que carecem de cuidados de saúde.
A dor é um fenómeno complexo, multidimensional, único, dinâmico e subjetivo. A sua perceção é o principal motivo para a procura de cuidados de saúde, principalmente. A classificação mais comum da dor divide-a em dois campos: aguda e crónica.
A dor é um fenómeno complexo, multidimensional, único, dinâmico e subjetivo. A sua perceção é o principal motivo para a procura de cuidados de saúde, principalmente. A classificação mais comum da dor divide-a em dois campos: aguda e crónica.
A dor aguda costuma ser breve, de causa conhecida e a sua intensidade pode variar de moderada a grave. O tratamento da dor aguda é dirigido de modo a eliminar a causa. Na dor crónica, sabe-se que permanece para além de três meses. A sua causa pode ou não ser conhecida. Tem intensidade variável e uma panóplia de tratamentos possíveis.
Em 2008, a DGS divulgou o Programa Nacional de Controlo da Dor (Circular Normativa N.º11/DSCS/DPCD, DGS, 2008), pelo qual pretende tirar basear-se em experiências adquiridas, determinar novos objetivos e novas estratégias operacionais no controlo da dor. A mesma Circular Normativa atribui prioridade ao controlo da dor na prestação de cuidados de saúde e, ao mesmo tempo, define-o como “fator decisivo para a indispensável humanização dos cuidados de saúde” (p.2).
Nos emaranhados deste labirinto da subjetividade que é a dor, conseguimos perceber, com base em bastante pesquisa bibliográfica, que a dor tem sempre bases fisiológicas e psicológicas comuns. Segundo COSTA et al (2005), a dor é constituída por quatro componentes: afetivo-emocional, cognitiva, comportamental e sensório-discriminativa.
A componente afetivo-emocional envolve a dor com sentimentos que a tornam penosa, desagradável e, muitas vezes, insuportável. A componente cognitiva diz respeito ao conhecimento que a pessoa tem da sua dor e o sentido que lhe dá, sendo que este influenciará as reações comportamentais perante o fenómeno da dor. A componente comportamental está relacionada com as manifestações pessoais de cada pessoa perante a dor. A componente sensório-discriminativa está relacionada com os mecanismos neurofisiológicos. A complexa atividade neurológica permite-nos decifrar a qualidade da dor, bem como a sua duração, intensidade e localização das mensagens dos neuro-recetores. Estes mecanismos neurofisiológicos compreendem quatro passos: transdução, transmissão, perceção e modulação.
A transdução é um processo pelo qual os estímulos nociceptivos (dor) conduzem a atividade elétrica. Estes nociceptores têm um índice elevado de resposta a estímulos intensos mecânicos, térmicos (responsáveis pela dor rápida) e químicos. A dor lenta/ tardia poderá resultar dos três tipos de nociceptores.
A transmissão
consiste no canal pelo qual os impulsos são conduzidos, desde os nervos
aferentes principais até ao início da medula espinal. Estas aferências terminam
ao nível de múltiplas camadas no corno posterior da medula. As mensagens
nociceptivas que chegam a estas fibras ativam as células de transmissão que se
situam nas camadas superficiais e profundas da medula dorsal. O corno dorsal da
medula compreende dois tipos de neurónios que recebem mensagens nociceptivas a
nível periférico: os neurónios nociceptivos específicos e os neurónios
nociceptivos não específicos. Estes últimos, têm um padrão de receção mais
alargado, recebem mensagens de diversas origens e são eles os responsáveis
pelas dores projetadas ou pelos erros de localização.
A mesma fonte apresenta a
teoria do controlo do portão, proposta em 1965 por Melzack e Wall. Segundo esta
teoria, subsiste um controlo segmentar que é inibidor da transmissão
nociceptiva. É através deste «portão» que «abre e fecha» que a integração da
mensagem permite ou não a passagem de informação para estruturas superiores,
promovendo ou inibindo a dor. Esta teoria esteve na base para o desenvolvimento
de tratamentos para a dor utilizando técnica do calor ou do frio e das
massagens. Conclui-se, assim, que existe uma estimulação idónea na cessação
quase imediata de algumas dores de origem periférica.Para além do corno dorsal da medula, existem outras vias ascendentes envolvidas na transmissão de mensagens nociceptivas a um nível superior, como o córtex cerebral, nas quais se destacam: o feixe espino-talâmico, o feixe espino-reticular e as fibras pós-sinápticas das colunas dorsais.
A perceção resume-se na tradução da
resposta neural em sensação ao córtex cerebral, onde a pessoa identifica a
sensação de dor. De acordo com a estrutura que recebe a mensagem, assim será a
reação/ ação da pessoa. As estruturas talâmicas recebem mensagens nociceptivas
e transmitem informações sobre a localização, intensidade, superfície e duração
da estimulação nociceptiva; o feixe espino-reticular está relacionado com a
elaboração de reações comportamentais em resposta a estimulações nociceptivas;
no cortéx cerebral, se o cortéx parietal apresentar algum tipo de lesão, pode
diminuir a sensação dolorosa.
A modulação consiste no controlo da
transmissão de dor e pode incluir tanto a inibição como a ênfase do estímulo
nociceptivo. A modulação envolve recetores opiáceos no cortéx, a meio do
cérebro, medula espinal, aparelho gastro intestinal, bexiga e útero. Este
mecanismo tem a capacidade de anular a própria dor. Tomamos como exemplo desta
capacidade notável de um sistema analgésico endógeno que, quando estimulado,
consegue inibir a dor, as morfinas endógenas do SNC (endocefalinas) e nos
cornos posteriores da medula (endorfinas).
A acunputura é muito
utilizada para estimular este processo de analgesia endógena, principalmente na
dor crónica.
Tendo em consideração que a dor assenta nestes
princípios neuro-fisiopatológicos, podemos concluir que a dor surge quando:
- um
determinado estímulo atua no recetor doloroso;
-um impulso é desencadeado
e transmitido ao cérebro pelas fibras de condução
dolorosa;
- nenhum mecanismo endógeno, terapêutico ou médico
impeça a transmissão do impulso;
- o estímulo seja
consciencializado pelo individuo.
Segundo BUDÓ et al (2007,
p.), “A cultura exerce
grande influência em todos os aspetos da vida das pessoas, incluindo suas
crenças, comportamentos, perceções, emoções, religião, estrutura familiar,
linguagem, alimentação, vestuário, imagem corporal e, entre outras situações,
exerce um poderoso efeito na tolerância ou não à dor.” De acordo com os
mesmos autores, a cultural, grupo social e, por vezes, no seio da mesma
família, possui uma linguagem singular e individualizada, que consiste num
conjunto de termos próprios através do qual a pessoa com dor mostra aos demais
o seu sofrimento. A tolerância à dor é variável e está relacionada com fatores
sensoriais (localização e extensão da lesão celular), genéticos, emocionais
(medo, ansiedade, raiva), culturais (aprendizagem, experiências anteriores,
significado simbólico da dor) e sociais. Perante a diversidade de fatores, é
claro depreender que a tolerância à dor também será variável. Para além disso,
a visão da dor pode ser muito diferente entre os profissionais de saúde e entre
as pessoas com dor. Algumas pessoas podem não se sentir doente por sentirem dor
alguma. Alguns profissionais de saúde podem não percecionar que a pessoa tem
dor, pois normalmente a dor não está associada à patologia da pessoa. Ao
depararmo-nos com tanta subjetividade, percebemos que a apreciação, perceção e
sensação de dor pode variar muito tanto entre as pessoas como entre os
profissionais de saúde, pelo que deve de ser sempre explanada o melhor
possível.
Sendo os enfermeiros os mais
privilegiados na proximidade e tempo de contato com a pessoa que carece de
cuidados, são os profissionais de saúde com mais responsabilidade na promoção e
intervenção do controlo da dor, contribuindo para a satisfação da pessoa, o seu
bem-estar e o seu autocuidado. (Guia Orientador de Boa Prática: Dor, OE, 2008).
Atualmente,
e sendo a dor considerada o 5º sinal vital, temos fundamentado e ao nosso
alcance todos os intrumentos que nos permitem avaliar o mais proximo possivel
da realidade a intensidade da dor.
Existem vários instrumentos de autoavaliação
da dor, denominados escalas. A escala visual analógica, a escala numérica, a
escala de faces e a escala qualitativa. O enfermeiro deve aplicar qualquer um
destes instrumentos de acordo com o tipo de dor, a idade, a situação clínica, a
propriedades psicométricas, os critérios de interpretação, uma escala de
quantificação comparável, a facilidade de aplicação, a experiência de utilização
em outros locais. O enfermeiro deve certificar-se que da compreensão das
escalas por parte da pessoa/ família/ prestador de cuidados antes da sua
aplicação. Quando a pessoa adapta-se a uma escala, significa que consegue
expressar a sua dor através deste instrumento e que a nossa resposta para o
controlo da dor (medidas terapêuticas e não terapêuticas), por isso, podemos
mantê-la.
Ainda de acordo com Guia Orientador de Boa Prática: Dor
(OE, 2008), o controlo da dor compreende a prevenção e o tramento da dor, pelo que
o enfermeiro deve agir sempre no sentido de antever a dor, intervindo no
sentido de eliminar ou reduzir a dor, expressa pela pessoa.
Seguidamente,
apresentaremos o algoritmo para o controlo da dor proposto pela OE (2008):
Segundo Nunes (in Prefácio
do Guia Orientador de Boa Prática: Dor, OE, 2008), os enfermeiros sabem que “a
negação ou desvalorização da dor do Outro é um erro ético no confronto com o
sofrimento e a dor, bem como uma falha na excelência do exercício
profissional”. Logo, e tendo em conta o artigo 4º do Regulamento do Exercício
Profissional dos Enfermeiros (REPE, Lei n.º 111/2009, artigo 4º- “Enfermagem é
a profissão que, na área da saúde, tem como objetivo prestar cuidados ao ser
humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele
está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saude,
ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto
possível.”) concluimos que, o enfermeiro assume na excelência dos seus cuidados
a responsabilidade da decisão clínica que deverá ser suportada por conhecimento
cientifico acerca dos mecanismos da dor, bem como da esfera
psico-socio-cultural que a envolve, tornando imprescindivel a sua intervenção
na prestação de cuidados de saúde.
Bibliografia
BLACK, J. M., & MATASSARIN-JACOBS, E. - Enfermagem Médico-Cirúrgica - Uma Abordagem Psicofisiológica - 4ª edição, vol. 2. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993.
BOLANDER, V. B. - Enfermagem Fundamental - Lisboa: Lusodidacta, 1998.
BUDÓ, M. d., NICOLINI, D., RESTA, D. G., BÜTTENBENDER, E., & Michele Camponogara PIPPI, L. B. - A cultura permeando os sentimentos e as reações frente à dor - Revista Escola Enfermagem USP, n.º 41 (1), 2007, pp. 36-43.
COSTA, C., MAGALHÃES, H., FÉLIX, R., COSTA, A., & CORDEIRO, S. - O Cancro e a Qualidade de Vida - A quimioterapia e outros fármacos no combate ao cancro - Lisboa: Editora Norvatis, 2005.
DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE - Circular Normativa N.º 09/ DGCG: A dor como 5º sinal vital. Registo sistemático da intensidade da Dor. Lisboa, 14 de junho de 2003.
DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE - Circular Normativa N.º 11/ DSCS/ DPCD - Programa Nacional de Controlo da Dor. Lisboa, 18 de junho de 2008.
McCAFFERY, M., & BEEBE, A. - Pain: Clinical Manual for Nursing Practice. Baltimore: The C.V. Mosby Company, 1989.
MELZACK, R., & WALL, P. - O desafio da Dor. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
METZGER, C., & al, e. - Cuidados de Enfermagem e Dor. Loures: Lusociência, 2002.
ORDEM DOS ENFERMEIROS - Guia Orientador de Boa Prática: Dor - Cadernos da OE. Lisboa: Edição Ordem dos Enfermeiros, 2008.
ORDEM DOS ENFERMEIROS - Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem. Enquadramento Concetual. Enunciados Descritivos. Lisboa: Edição OE, 2001.
ORDEM DOS ENFERMEIROS - Regulamento Do Exercício Profissional Dos Enfermeiros, Lei 111/2009. Lisboa: Diário da República.
PHIPPS, W. J., SANDS, J. K., & MAREK, J. F. - Enfermagem Médico-Cirúrgica - Conceitos e Prática Clínica - 6ª edição. Loures: Lusodidacta, 2003.
PIMENTA, C., MOTA, D., & CRUZ, D. - Dor e Cuidados Paliativos: Enfermagem, Medicina e Psicologia. São Paulo: Editora Manole, 2006.
REGULAMENTO DAS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DO ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM ENFERMAGEM EM PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA - Regulamento n.º 124/2011. Diário da República, 2ª série, n.º 35, 18 de Fevereiro de 2011.
STEIN, C. - Os opiáceos da Dor: Aspectos Básicos e Clínicos. 1ª edição. Lisboa: Climepsi Editores, 2001.
Sem comentários:
Enviar um comentário